Quem é o Gustavo?
Bom, vamos lá…
Meus pais se casaram no dia 25 de janeiro de 1997. Em 1997 as possibilidades de uma gravidez os deixaram eufóricos. Então, meu pai levou minha mãe para fazer o teste e combinaram de abrir o resultado do exame que sairia no dia seguinte juntos. Tudo muito rápido, minha mãe conta sorrindo que meu pai chegou à casa eufórico e a abraçou chorando.Uma das poucas vezes que ela o via chorando e então ele se desculpando, entregou o resultado do teste de gravidez à ela :POSITIVO… Então choraram juntos.
Desde a minha gestação, sempre fui muito querido, desejado e esperado.
O Inesperado…
No dia 25 de janeiro de 1998, meus pais estavam comemorando o primeiro aniversário de casamento, quando na comemoração, minha mãe, no sétimo mês de gravidez sentiu um certo desconforto. Na manhã seguinte meu pai foi para o trabalho e minha mãe procurou o médico que fazia o acompanhamento da gravidez, Dr. Saboya e o mesmo constatou a “Bolsa Rota” e resolveu interromper a gravidez.
O que é bolsa rota?
“Primeiramente, é importante explicar que, dentro da barriga, o bebê fica envolvido por membranas: cório, como é chamada a parte mais externa; e âmnio, a mais interna, que contém o líquido amniótico. Quando a membrana amniótica se rompe sem que a mulher esteja em trabalho de parto, o fenômeno é conhecido como bolsa rota e pode ser facilmente percebido pela gestante, pois uma quantidade de líquido amniótico irá escorrer. É algo raro, mas assim que o problema for detectado, a mulher deve procurar um hospital imediatamente.”
Dia tumultuado, morávamos em Campinas, meu pai trabalhava em Jaguariúna, e quando teve a notícia correu para o encontro de minha mãe.
Dr. Saboya já tinha a encaminhado direto para a Maternidade de Campinas e pedido a internação, dizendo que eu, já tinha um bom tamanho em virtude da 33ª semana de gestação e que tinha de interromper mesmo a gestação para não colocar em risco a vida da minha mãe e a minha.
Era dia 26 de janeiro de 1998, uma data muito lembrada pelo meu pai. Nessa data era comemorado o aniversário da sua avó Lídia, aniversário da sua irmã Juliana e aniversário de morte de seu avô, meu bisavô Antonio a quem não cheguei a conhecer.
Momentos de tensão para meus pais, marinheiros de primeira viagem, casados há um ano e eu já nascendo prematuro.
Às 19:40h eu nasci, com 42 cm , pesando 1.775 gramas, tudo em virtude da prematuridade, tendo meu teste APGAR sido realizado e apresentado um resultado que indicava que nasci bem dentro de todas as possibilidades.
Encaminharam-me para a UTI neonatal para ganhar peso.
No período da minha internação, ocorreu um surto de infecção na Maternidade de Campinas e com isso levou a óbito algumas crianças recém nascidas que lá se encontravam..
Dias difíceis, para mim e meus pais. Até hoje eu vejo os olhos deles marejados quando falam sobre esse período.
Eu em uma incubadora, devido ao meu pequeno tamanho, o soro era administrado através de veias que eram “caçadas” em meu corpo, por vezes na cabeça e que sempre tinham de ser trocadas, pois devido à pequena espessura, não suportavam muito tempo.
Minha mãe passava o dia lá praticamente, tentando fazer a coleta de seu leite que ainda apresentava pequeno volume devido a precocidade de meu nascimento e direcionando para o banco de leite para armazenamento e posteriormente tentar me alimentar através de conta-gotas.
Foi quando também contraí a infecção que se instalara naquele ambiente.
Em fevereiro e março de 1998, na maternidade de Campinas, ocorreu mortes de bebês prematuros, vítimas de infecção generalizada, tendo sido aberto uma investigação pela diretoria do hospital e as mortes noticiadas nos jornais locais.
Em Janeiro nove bebês morreram e em fevereiro mais cinco. O coordenador do berçário da Maternidade de Campinas na época, Wilson Norato da Silva argumentou que as crianças “morreriam de qualquer forma”, pois eram casos de recém-nascidos de alto risco, alguns tendo nascido um peso inferior a 1 kg.
Havia uma dúvida se as mortes estavam relacionadas a Nutrição Parenteral Prolongada(NPP), pois os bebês internados na Unidade de Terapia (UTI) Neonatal intensiva haviam recebido a nutrição, pois cerca de um ano antes, 12 crianças morreram em maternidades de Campinas e Limeira pelo mesmo motivo.
A investigação não chegou a conclusão sobre as mortes dos bebês.
Bem, meu pai estava no quarto de UTI , num momento em que a visitação era permitida, um dos aparelhos emitiu um sinal quando uma médica e enfermeiros correram para cima da incubadora e pediram para ele sair….ele conta que ficou meio que parado, quando uma enfermeira segurou seu braço e disse “ pai, por favor saia, precisamos salvar seu filho.” Ele saiu meio que atordoado, quando encontrou minha mãe que estava chegando do banco de leite onde fizera a coleta, sorrindo pois havia coletado um volume maior do leite que necessário para minha evolução. Quando olhou o rosto de meu pai, viu que havia algo errado e então meu pai contara o que havia ocorrido. Ambos seguraram suas mãos e tinham de sair, pois o horário para visita a UTI havia acabado. Como ir embora? Como deixar o filho lá naquela condição e ir para casa? Saíram então do hospital, foram para a Igreja do Carmo, precisavam de um conforto. Minha mãe que ainda recuperava-se da cirurgia cesariana conta que se ajoelhou em frente a uma imagem de nossa senhora com Jesus Cristo criança em suas mãos e Pediu: “ Minha mãe, me deixa carregar o meu filho, assim como a senhora carrega o seu, não importa de que forma” ….e a única coisa que pediram foi para que Deus me deixassem com eles, independente de qualquer coisa, para que pudessem me ver crescer e me darem todo o amor guardado neles.
No dia seguinte, uma melhora, e a cada melhora uma comemoração dos meus pais, apesar da perda de peso, consequência normal pelo meu estado. Minha mãe praticamente passava o dia sentada na porta da UTI ou no banco rezando e me esperando. Meu pai tinha de trabalhar, sempre retornando após sua jornada.
Com 16 dias de vida, deixei a UTI.
A melhora do meu quadro de saúde começou a aparecer e fui ganhando peso de forma bem lenta, com minha mãe e pai torcendo a cada grama conquistado, pois os médicos diziam que precisava ganhar peso para deixar a Uti.
Então fui me recuperando e ganhando peso bem devagar e após 28 dias deixei o hospital tendo sido liberado para ir para casa pesando 1.800 gramas. Foram 28 dias de agonia vividos por meus pais, fazendo 3 visitas que eram permitidas ao dia com o receio de a cada dia chegar lá e encontrar algo diferente. Mas eu venci. Alegria de meus pais.
Em Casa
Fui para casa, vida normal…ou quase isso… pelo menos meus pais podiam descansar um pouco mais….mas eu demorei a me acostumar com a luz apagada, pois na UTI estava sempre acesa… o carinho era enorme, minha mãe o tempo todo comigo, minha avó materna veio para ajudar, morando na cidade de Matão SP , passava a semana conosco e retornava aos finais de semana para sua casa.
Eu era minúsculo, meu pai me dava banho quando chegava do trabalho, eu era do tamanho do seu antebraço , mas aos poucos me reestabelecendo. Comecei a ganhar peso.
À partir do primeiro mês, comecei a apresentar cólicas e a pediatra dizia ser normal, mas eu chorava muito, tirando as noites de sono dos meus pais e avó… meus pais já não sabiam mais o que fazer… a pediatra dizia que após uns 3 meses essa cólica iria passar, mas não passava….um primo de meu pai, disse que a solução seria uma folhinha de calendário, onde deveriam ir riscando dia a dia, um dia a menos….
Tentaram de tudo, leite de cabra, leite de soja, leite sem isso, leite sem aquilo, a famosa Funchicória, mas nada resolvia. Foram inúmeras noites com meus pais me embalando em seus braços madrugada adentro.
Após 9 meses a cólica continuava e uma vizinha da frente então conversou com minha mãe e disse: “Tente cozinhar o arroz com bastante água e essa água do arroz você utiliza para fazer a mamadeira dele.” Minha mãe que já havia tentado de tudo, não tinha mais nada a perder, fez então a mamadeira com a água do arroz cozido. Dormi a noite toda.
Passou então a usar a água do arroz cozido para fazer as mamadeiras e minha cólica sumiu.
Até hoje, minha mãe não sabe ao certo, se foi a água do arroz utilizada na mamadeira ou se foi como a pediatra dizia, que um dia ia passar, mas….Fica a dica.
Fui Crescendo
Meu crescimento e ganho de peso, se deram de forma mais lenta, e então meus pais por orientação médica buscaram me estimular, sempre e em tudo.
Foi em um encontro “mamãe x bebê”, numa escolinha em Campinas que minha mãe percebeu que eu não conseguia levar as mãozinhas até umas fitas que brilhavam e eu demonstrava interesse em pegar. Então chamou a responsável que estava presente e disse que havia algo errado comigo. Fomos encaminhados para um neurologista.
Naquele dia, o chão fugiu dos pés de minha mãe, que não conseguia entender como pudesse ter restado alguma sequela.
Então vieram as perguntas: “Mas ele vai engatinhar? Ele vai sentar?, Ele vai andar? Ele vai falar?…..”
Então meus pais começaram a dar valor por coisas como: Que legal ele está conseguindo sustentar o pescoço, ele está conseguindo abrir as mãozinhas…. ganhos que somente nós que estávamos perto conseguíamos observar e que para quem não vivia o dia a dia isso passava despercebido.
Porém eu não conseguia sentar como qualquer criança e muito menos ficar de pé… mas ainda havia a esperança que em função de tudo que eu passara que isso poderia demorar um pouco mais…Mas a realidade não foi essa.
Então fui crescendo… De maneira lenta e gradual, porém para quem chegou a pesar menos de 2 kg esse ganho de peso e tamanho alegrava muito meus pais.
Devido a constatação que minha mãe fizera sobre minha dificuldade em pegar qualquer objeto a pediatra encaminhou-me para um neurologista para acompanhamento, Dr. Marcos, com quem meus pais foram criando empatia e com o passar do tempo passou a ser uma das nossas referências.
Eu tinha por volta de 6 meses de idade nessa época.
Vários exames feitos e então foi constatada uma pequena lesão, porém sem que o Dr. Marcos pudesse fechar qualquer diagnóstico. “O Tempo” termo que acompanhou meus pais por um longo período gerando esperanças e dúvidas, pois segundo o relato médico, somente o tempo poderia dizer o real comprometimento da lesão e que talvez nem viesse a ser refletida.
Fui então encaminhado para uma clínica de reabilitação visando ser estimulado para ver se eu reagia de maneira mais rápida a coisas comuns em crianças como engatinhar, sentar, equilibrar o tronco e andar.
Iniciada seções de fisioterapia e terapia ocupacional para que meu dia a dia apresentasse sinais de uma reabilitação.
Eu era uma criança que chamava muito a atenção, loiro, olhos azuis e um sorriso cativante que tomava conta do espaço onde eu me encontrava.
O tempo foi passando e embora a esperança de meus pais para que tudo aquilo fosse apenas uma passagem da minha vida, que eu iria demorar um pouco mais que as demais crianças para atividades simples como comer sozinho ou mesmo segurar uma mamadeira, esse tempo não chegava.
Minha dificuldade era motora, como controle de tronco, pernas e braços. Eu apresentava uma espasticidade muito grande nas pernas.
Espasticidade é quando ocorre um aumento do tônus muscular, envolvendo hipertonia e hiperreflexia, no momento da contração muscular, causado por uma condição neurológica anormal. Ou seja, a musculatura de minhas pernas encontrava-se o tempo todo tensionada, o que fazia com que eu cruzasse as pernas. E dá-lhe fisioterapia.
Então meus pais foram chamados para a primeira reunião na clínica de reabilitação para que fossem passados a eles os ganhos e progressos.
A terapeuta ocupacional, Lígia, uma das proprietárias da clínica, foi quem conduziu a reunião. Era início da noite, pois meu pai trabalhava em outra cidade.
Então ela começou a falar sobre os ganhos, as conquistas até aquele momento… Minha postura que melhorava, mencionou que eu estava conseguindo sustentar minha coluna por mais tempo e por aí, então sugeriu que eu viesse a utilizar uma cadeira de rodas no futuro para não perder mais tempo em me socializar.
Minha mãe conta que meu pai quase surtou, dizendo que era questão de tempo, que ele e minha mãe conseguiam enxergar ganhos, conforme o Dr. Marcos dissera, seria questão de tempo…
Foi quando eles ouviram de uma maneira muito clara:
– Seu filho não vai andar. Pode até ser que venha a andar um dia, mas nunca um andar considerado normal.
Tento imaginar o que meus pais sentiram nesse momento… a volta da clínica para casa….a noite que passaram.
Minha mãe me disse uma vez que nunca tinha visto meu pai de cabeça baixa, mas aquele dia ele ficou.
Meus pais então sentaram e conversaram, e ambos concordaram que jamais desistiriam de mim. Que independente de minha condição fariam de tudo que estivesse ao alcance deles para que eu pudesse ter uma vida normal… Sou um cara de sorte, amor e dedicação nunca me faltaram.
A partir daí começaram a investir em terapia ocupacional, fonoaudiologia, fisioterapia, equoterapia e hidroterapia, fazia tudo isso dentro da mesma semana, então imagine essa rotina para uma criança como eu.
Certa vez, quando eu me aproximava para completar dois anos, minha mãe me segurava em seu colo e esperando a chegada de meu pai que retornaria do trabalho começou a brincar comigo e com palavras doces dizia: “O papai vai chegar, o papai vai chegar…” Então, para completo delírio de minha mãe, balbuciei: Papa… Papa…
Quando meu pai chegou a casa, entrou e se deparou com minha mãe chorando e minha avó Egle sorrindo e sem entender indagou o que acontecia. Foi quando minha mãe me levou até ele e disse com os olhos cheios de lágrimas: “O Papai chegou” e novamente eu balbuciei: papa… Até hoje, os olhos de meus pais se enchem de lágrimas quando narram a alegria daquele dia.
Por volta de 3 anos comecei a ter “picos” febris e o neurologista, Dr. Marcos Duran (esse médico era muito legal, era uma farra no consultório!), depois de investigar com um exame de sangue, para descartar qualquer doença ou virose, concluiu que eu estava com stress e meus pais tiveram que reduzir as terapias. Foi uma frustração para eles, pois queriam resultados rápidos e tiveram que aprender que eu tinha um tempo bem diferente de desenvolvimento…
Meus pais começaram a me conhecer melhor e de certa forma estavam passando por um momento muito difícil, pois tudo que eles ouviam, corriam marcar consulta com o neurologista para mostrar revistas, matérias que encontravam, para ouvirem que haviam encontrado uma solução para que o filho deles tivesse condições de andar, correr… Enquanto isso eu estava apenas tentando equilibrar meu tronco, meu pescoço ainda caia de lado, minha boca não segurava a saliva, eu nem sequer sentava sozinho, estava começando a falar melhor e meus pais, querendo uma solução milagrosa. Mas ainda bem que eles continuam até hoje do meu lado, sempre otimistas, mas agora mais calmos, de certa forma. Posso falar bem alto que eles nunca desistiram de mim!
Eu tinha de 4 para 5 anos quando me foi apresentada minha primeira cadeira de rodas.
Lembro que meu pai chegou com ela em casa, montou e me disse que seria legal, que eu poderia ir para lá e para cá, que iria melhorar minha qualidade de vida. Então me colocou na cadeira e deu uma volta… Então eu disse: “rápido” e parecíamos dois doidos brincando e correndo com uma cadeira de rodas pela casa. Nós caímos… Então eu disse: “De novo”. Aquele dia eu achei que minha mãe brigaria com meu pai, mas ela só ficara assustada e depois ficou tudo bem.
Meus pais tentavam de tudo, vários médicos, várias opiniões, várias possibilidades de tratamentos como aplicação de Botox buscando o relaxamento da musculatura das pernas e intensificando a fisioterapia, mas os resultados não surtiam o efeito desejado.
Foi-me indicada a AACD – Associação de Assistência a Crianças com Deficiência onde passei por vários profissionais e lá foi confeccionada uma cadeira de rodas adaptada com acessórios para a correção de minha postura.
Aquele ambiente trouxe a meus pais um certo acalento. Não por eu obter algum ganho considerável, mas pela realidade que presenciaram de outras crianças. Minha mãe, em uma das consultas saiu de lá e disse: “Nosso filho não tem nada se compararmos a essas outras crianças.” Meus pais então se deram conta de outras famílias com problemas diferentes e até mais relevantes que o meu.
Vieram outros médicos, a indicação de um neurologista de São Paulo, muito conceituado na área de reabilitação, cobrava por uma consulta um valor muito superior na época a todos os profissionais pelos quais eu passara. Meus pais economizavam para essas ocasiões e sempre vinha o mesmo diagnóstico, “Temos de aguardar”… Até que a fisioterapeuta da clínica Ludens Elem Torello , pediu para marcarmos uma consulta com Dr William Belangero, um conceituadíssimo médico especialista em ortopedia infantil.
Bem, começava então a correria para buscar e conhecer escolas. Várias foram visitadas por minha mãe e ou não apresentavam uma estrutura adequada ou de certa forma insinuavam que não teriam como me acolher, e isso deixava minha mãe muito triste.
Certo dia minha mãe veio feliz dizendo que encontrou uma escola que atendia às minhas necessidades e não tinha medo de me incluir e de fato fui bem aceito lá. Era o Colégio Sagrado Coração de Jesus. Cheguei no 3º ano do ensino fundamental com os pés engessados, resultados de uma cirurgia para correção. Além do gesso eu tinha um ferro enfiado em cada calcanhar, o que causava aflição nas pessoas. Fui muito bem recebido pelos colegas e pela professora Regina e lá segui meus estudos até a 3ª série do ensino médio e com muitas histórias para contar!
Bem, não é porque sou cadeirante que não aprontava na escola ou em qualquer outro lugar.
Lembro-me uma vez, ainda no Ensino Fundamental (fazia várias visitas na sala da Coordenadora!!!), quando encontrei minha mãe no final do período e fui logo me defendendo: “Mãe, presta atenção, hoje eu não fui a sala da Coordenadora, ela que veio falar comigo!!”, como se não fosse a mesma coisa.
Eu sabia que em algumas vezes eu deveria ficar quieto, mas quando via já tinha feito. Uma vez, no Ensino Médio a coordenadora entrou na nossa sala para dar a maior bronca. Todos quietos ouvindo e eu olhei para cara dela e não conseguia parar de rir, sei lá porque e a sala aproveitou e riu junto. Naquele dia ela falou para minha mãe: “Ele acabou com minha conversa com os membros da classe”, e então riu junto com minha mãe.
Ah, por volta dos meus 11 anos fui pedir um presente de Dia das Crianças para meu pai: “Pai, já sei o que quero de Dia das Crianças: a assinatura da Playboy”. Minha mãe quase enfartou e eu tenho uma coleção grande!!!!
Não podia deixar de contar essa: num dos passeios ao Shopping eu disse a minha mãe que não queria mais que ela comentasse mais o motivo por eu utilizar uma cadeira de rodas Então eu me lembro de pessoas estranhas se aproximando e perguntando sobre mim. Mas eu não queria mais falar sobre…Lógico que uma mulher curiosa veio perguntar e minha mãe então ficou parada me olhando e eu não demorei a responder: “Tenho hemorroida, por isso estou sentado nessa cadeira”. Minha mãe se desculpou dizendo que eu não queria que falasse e empurrou minha cadeira numa velocidade que acho que era do tamanho da vergonha dela.
Essas são algumas histórias que quando contávamos para o DR Marcos Duran, o neurologista, ele se matava de rir e algumas dessas histórias ele contava em suas palestras.
É…dei trabalho…rsrsrs.
Pronto! Estou na Universidade. E Agora?
Eu me lembro do dia em que tive certeza do que queria fazer para a vida adulta: Ser Jornalista.
Cursava o 3º ano do ensino fundamental I quando a professora perguntou para cada um dos alunos o que gostariam de ser quando crescer.
Era um trabalho em um livro paradidático, o qual a professora completou para mim, pois não coordeno a escrita: “Quero ser jornalista esportivo.”
Parece que eu já tinha certeza e afirmava para a professora que sorria para mim como se quisesse apenas concordar com a ideia de uma criança.
Naquele dia cheguei a casa com um sorriso de orelha a orelha e contei para meu pai sobre minha decisão. Ele pareceu concordar. Hoje penso: será que ele achou que fosse apenas uma decisão imatura de uma criança? Será que ele pensou em mudar minha escolha? E hoje, ele sente que eu fiz a coisa certa? Essas questões circulam pelo meu pensamento.
A professora de Ensino Fundamental I a quem me refiro se chama Regina Milano. Depois de 13 anos a reencontrei e pudemos conversar como ex-aluno e professora amiga, pois além da firmeza tinha um carinho especial conosco. Sempre penso como foi me receber, um aluno especial, recém-operado, com pernas engessadas e pinos aparecendo nos pés, que não conseguia escrever e era questionador.
“Encontrei inicialmente dificuldade na aula com o Gustavo por ele não ter mobilidade nos membros superiores e no início eu não tinha auxiliar de sala. Gustavo seguia tranquilamente no aspecto cognitivo, e logo nos adequamos para suprir suas dificuldades físicas.”
E continuou : “A classe estranhou no início. Na hora do lanche ele era o único que não brincava. Reuni a sala e um colega contornou o problema sugerindo um revezamento para fazer companhia ao Gustavo no lanche. Começaram então a perceber o “próximo”. Com isso houve um grande ganho pessoal e social da sala, foi uma oportunidade de crescer aprendendo a conviver com os outros independente de suas dificuldades.Um grande crescimento.”
O tempo passou e eu já estava extremamente apreensivo com o vestibular. Já havia perdido um devido a grande concentração de veículos e minha dificuldade de locomoção, pois para alcançar o portão aberto eu teria que fazer algo que é impossível, abrir a porta do carro e correr até lá.
Depois de uma semana meu pai teve um “insight”: “Por que não fazer o vestibular da Unip?”
Fiz inscrição. Novo período de tensão, ir até um ambiente estranho, fazer a prova com pessoas que eu não conhecia, ver as pessoas me encarando com admiração, dúvidas, dó…, o que traz uma insegurança torturante.
Bem, fui aprovado no vestibular da Unip – Campinas para o curso de Jornalismo. Acho que escolhi o curso certo.
Aí começou o medo, as dúvidas, incertezas, como será? Vou dar conta? Será que a Universidade está preparada para receber alguém com deficiência?
Meu primeiro contato com o mundo universitário se deu através do coordenador e professor do curso de Comunicação Social que engloba os cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda, Roni Muraoka.
Em uma conversa em sua sala junto de meus pais, coloquei minhas dúvidas, expus minhas dificuldades e da sua boca, ouvi palavras que nem me deixaram dormir a noite direito de tanta felicidade.
Ele disse que a Unip possuía toda a estrutura pensada para os PNEs(Portadores de Necessidades Especiais), como rampas de acesso, banheiros adaptados, marcação de passagem, comunicação em braile, interpretes/ acompanhantes, softwares de leitura, etc..
Afirmou ainda que esses alunos não trazem dificuldades, e sim adaptações, também disse que os professores estão preparados e abertos a entenderem as dificuldades e necessidades especiais desses alunos.
Afirmou que esses alunos ainda acrescentam a possibilidade de conviver com o diferente, enxergar que essa diversidade é que engrandece as pessoas e possibilita a todos serem mais compreensivos com as diferenças.
Em segundos me veio à cabeça muita gente que me ajudou a chegar até aqui…meu pai, minha mãe, que ali estavam comigo, minha irmã, meus avós e tios, meus terapeutas, meus colegas de colégio, meus amigos e amigos de meus pais, minha tia Regina, todos meus tios e tias, toda a família….Enfim, eu poderia dizer a eles que estava buscando meus sonhos.
Também vi nos olhos de meus pais a alegria se mostrando no brilho em algumas discretas lágrimas….
Quando saímos dali, todo aquele trabalho colocar-me no carro, desmontar a cadeira, guardá-na no porta-malas, entram todos no carro, meu pai dá a partida e eu não me contive, cerrei os pulsos, isso é até comum devido a minha espasticidade, mas dessa vez foi com vontade e então dei um grito dentro do carro, onde senti cada som sair de minha garganta, de verdade extravasei. Meu pai, sentado ao meu lado, sorriu….um sorriso de alegria e orgulho que eu aprendi a conhecer, minha mãe no banco de trás com uma mão no meu ombro e a ouvia soluçar. Liguei o som do carro bem alto e voltamos para casa.
Hoje olho para trás e tento entender o que significou aquilo para meus pais. Entendi também que Deus “escreve certo por linhas tortas”. Ele estava me direcionando para o melhor caminho para eu seguir.
Agradeço ao Roni, que foi o principal motivador para o ingresso no curso. Ele me disse: “Quando você e quaisquer outros alunos PNEs me procuram, necessito entender quais são suas necessidades, o que precisamos fazer para adaptarmos a elas, preparar o corpo docente, o resto é tudo igual. Para mim, um aluno PNE é absolutamente igual aos outros, apenas possui necessidades especiais, devido às suas limitações, só isso. Quanto a ser motivador para você e outros PNEs, apenas fico feliz em poder proporcionar que cursem aquilo que escolheram e que possam se tornar profissionais capacitados e seres humanos melhores, afinal essa é a minha função para quaisquer alunos, independente de suas condições”.
Pensei na minha família, questionando meu pai sobre minha escolha, ele nunca se posicionou de maneira contrária, tendo sempre me dado apoio e me auxiliado em dúvidas para que eu pudesse ter certeza e firmeza da minha escolha. “Filho, a vida é feita de escolhas. Faça uma escolha que você consiga conciliar prazer e uma remuneração condizente com suas necessidades. O que você busca são poucos que atingem, porém eu vejo em você um vencedor. Lute com toda sua energia e determinação em busca de seu sonho. O que estiver ao meu alcance, sempre será usado para ajudá-lo.” Ele, sempre com suas respostas que animam, mas que me deixavam pensativo e apreensivo, pois me trazia uma realidade que o mundo não mostra e também de me mostrar que teria de batalhar muito para realizar meu sonho.
Para meu pai, todas as dificuldades que enfrentei, consegui superar graças a estrutura de minha família que sempre me deu total apoio e suporte. Segundo ele, a união da família (ele, minha mãe, meus avós, tias, tios) e amigos em geral sempre estiveram presentes em todos os momentos de dificuldades, suavizando a dor e trazendo uma boa energia para que todos no final pudessem sorrir juntos.
Entendo o que ele disse sobre a estrutura familiar, pois com tudo isso, vejo que sou uma pessoa agraciada, e em minhas passagens por vários lugares que trabalham com deficientes vejo o que isso representa, sendo que não é difícil encontrar situações, nas quais a família se desfaz com a chegada de um filho deficiente.
Para ele, como pai, foi muito difícil, tendo passado por momentos tensos, sempre com elevado teor de sentimento em jogo, decisões fortes e marcantes, porém necessárias para meu bem estar.
Seu papel nem sempre é só carinho, sendo muitas vezes enérgico, me cobrando por ações e atitudes, forçando meu amadurecimento e me trazendo a realidade de que o mundo que me espera lá fora nem sempre é um “mar de rosas.”
Mas com tudo isso, como é bom ver o sorriso em seu rosto quando atinjo uma conquista. Ele me parabeniza e elogia. Nessa hora eu sinto de perto o quanto gosta de mim.
Minha Mãe também, sempre me apoiou em tudo, com aquele carinho que só se encontra em mãe mesmo. Sempre correndo comigo, me levando a Terapias, me levando a consultas e clínicas e agora também à faculdade. Ela é puro sentimento com o acréscimo de bastante ansiedade…rsrsrs… Mas sei que está sempre ali, de prontidão para qualquer coisa que eu venha a precisar.
Minha vida não é nada monótona, tenho uma agenda cheia. Para isso conto com a ajuda de meus pais quando estão em casa e minha avó, que me dá uma atenção e fica comigo quando meus pais estão trabalhando. Tem também minha irmã – Maria Luisa, por quem sou apaixonado, que me faz sorrir quando olho para ela e às vezes também me ajuda. Na verdade posso até cometer alguma injustiça de não citar alguém aqui, pois todos quando estão comigo estão sempre dispostos a me ajudar. Meus colegas de classe me ajudam na agenda nos comentários, dicas, o que fazer, quais trabalhos devem ser priorizados…conversas normais de colegas de classe.
Bem, voltando …Acordar, fisioterapia em casa, banho de sol, estudar, pausa para uma relaxada, almoço; parte da tarde minhas terapias, necessárias para que meu corpo não venha a atrofiar, fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional….e vejo que a vida desses profissionais também gira em torno de buscar melhores condições para a vida dos outros… trabalho bem legal esse.
















